Birra ou crise de desregulação: Qual é a diferença?
Como distinguir uma crise de desregulação autista de uma birra?
Muitos pais e cuidadores já testemunharam crises nervosas ou de desregulação numa criança com autismo. Estas crises à primeira vista parecem-se exatamente com uma birra comum. Embora possam parecer semelhantes no comportamento externo, é importante entender a diferença entre as duas.
Uma birra ou um ataque de fúria e choro é um comportamento intencional em crianças mais novas e, portanto, pode ser moldado e trabalhado ao ignorar a birra e ao mesmo tempo reforçar e recompensar os comportamentos positivos quando estes acontecem, ao passo que um colapso de desregulação autista pode ocorrer a qualquer altura ao longo da vida e não é regulado nem resolvido por um sistema de reforço positivo.
À medida que criança cresce, as birras passam lentamente mas as crises de desregulação podem nunca passar. É óbvio que as crianças com autismo também têm as birras clássicas, mas entender a diferença e conseguir distingui-las no momento em que estas acontecem é importante. As birras precisam de um tipo de resposta e as crises de desregulação precisam de outro tipo de abordagem.
Tentar resolver um colapso autista como se se tratasse de uma birra comum só irá piorar a situação.
Quais são as principais diferenças?
A crise de desregulação, também referida como meltdown, acontece quando há um pico estímulos ou de sensações extremas, estas provocam um grau de stress ou ansiedade muito elevado. Muitas vezes a criança pode até não saber identificar o que gerou a crise ou nem se lembrar do que aconteceu.
Muitos destes episódios acontecem por motivos que nós podemos considerar irrelevantes, mas que para a criança são tudo menos isso. Geralmente estes colapsos acontecem quando a criança está a receber muitos estímulos sensoriais ao mesmo tempo, como ir ao shopping ou a um restaurante. São pessoas, luzes, barulhos, vozes, cheiros, tudo ao mesmo tempo. Em conjunto com esta sobrecarga sensorial, a rotina da criança pode ter sido alterada ou ocorrer alguma frustração. Todas essas sensações vão se acumulando e gerando ansiedade, até que explodem numa crise.
1) Atingir um objetivo vs sobrecarga
Uma birra de uma criança geralmente resulta da frustração por não conseguir aquilo que quer naquele momento, como por exemplo, querer um brinquedo ou não querer ir para a cama. Embora os acessos de raiva em crianças pequenas possam ser mais frequentes quando estão cansados, com fome ou quando estão doentes, eles têm sempre como meta atingir um objetivo. Esta birra resulta da frustração por não conseguir o que quer, por não ser capaz de fazer o que quer, ou mesmo por não ser capaz de comunicar o que quer de maneira adequada.
Um colapso autista, por outro lado, é causado por questões sensoriais, emocionais, de sobrecarga de informação, de alteração da rotina ao ponto de estar a vivenciar demasiada imprevisibilidade.
Quando uma criança com autismo atinge o ponto de rutura, desencadeia-se uma explosão emotiva que se traduz numa variedade de comportamentos externos que são semelhantes a uma birra (gritos, choros, enjoos, tremores, insultos ou atirar objetos). É importante saber distinguir e perceber a causa.
2) As birras precisam de uma “plateia”
Geralmente as birras geralmente terminam quando o pai ou a mãe ignoram esse comportamento, quando a criança é removida de um espaço público onde o comportamento está a decorrer, ou quando a criança consegue efetivamente aquilo que quer.
Uma crise de desregulação ocorre independentemente de haver alguém a assistir. Estas crises podem acontecer a qualquer momento, mesmo quando a criança está sozinha. Estas crises são a resposta a uma sobrecarga a estímulos externos que levam a uma explosão emocional descontrolada.
Em suma:
As birras são uma explosão de raiva ou de frustração, enquanto que os colapsos autistas são uma reação adversa a certos estímulos.
Uma criança com autismo não tem controlo sobre seus colapsos e não irá beneficiar das medidas que utilizamos para resolver birras. Abraços, incentivos, subornos, carinho ou qualquer forma de disciplina não irá resultar para ajudar numa crise de desregulação.
O que podemos fazer para ajudar uma criança que tem uma crise de desregulação autista?
Uma vez que uma crise de desregulação autista acontece no seguimento de uma ou várias tentativas falhadas do corpo ou da mente tentar alcançar equilíbrio, o que acontece é precisamente o oposto e é dispensada uma grande descarga emocional e física, o corpo e a mente gastam todas a energia numa derradeira explosão.
A segurança deverá ser o foco primordial durante um colapso autista. O objetivo da pessoa que presta o apoio no auge desta crise é garantir a segurança, para que a criança não se magoe acidental ou intencionalmente, tendo em simultâneo a noção de que o colapso continuará até que a energia seja gasta. Não há maneira de parar um colapso em curso.
2) Planeie uma rotina calma
É muito eficaz ter uma rotina calma para crianças e cuidadores. Rotina calma não é sinónimo de fazer sempre a mesma coisa à mesma hora, basta não introduzir alterações bruscas ou demasiadas surpresas durante o dia.
Mesmo depois de gasta toda a energia, durante a crise de desregulação, algumas crianças podem ainda precisar de ajuda para se acalmar. Podemos utilizar diversos recursos música, livros, vídeos, contar uma história, algum brinquedo ou objeto especial… Todas as crianças são diferentes, terá de experimentar para ver o que funciona melhor.
3) Anteceder em que situações estas crises poderão acontecer
Se estiver atento aos sinais de alerta que poderão resultar numa escalada dos sintomas de desregulação, poderá ajudar bastante. A criança pode demonstrar estar mais instável ou desorientada do que o normal, pode começar a balançar, a abanar as mãos, pedir para sair, fechar os olhos ou tapar os ouvidos, etc. Se você conseguir perceber a causa que que poderá desencadear estas crises no seu filho, poderá ser capaz de prevenir um colapso.
4) Mantenha-se calmo
Os colapsos tendem a terminar numa de duas maneiras: Alterando ou reduzindo a quantidade de estímulos sensoriais ou por puro desgaste.
Algumas crianças acabam até por adormecer, outras retraem-se e não respondem a nada enquanto o seu sistema nervoso se reinicia.
Normalmente estas crises têm um causa previsível, e manter a calma é importante para que a sua intervenção não piore ainda mais a crise de desregulação da criança.
Depois da crise terminar, a criança sente um cansaço enorme pois todas as suas energias foram gastas, o seu corpo e a sua mente estão no limite. Esta é a melhor altura para a ajudar a se recompor, com o mínimo de estímulos sensoriais possíveis, dando-lhe também espaço para ficar sozinha, se ela preferir. Para algumas crianças um abraço ou colo pode ser benéfico, mas para outras pode ser ainda mais desgastante. Dar espaço pode ser a melhor opção.
Seja gentil, pois a criança pode ainda estar vulnerável.
Compreender todo este processo é essencial para que estes episódios diminuam em intensidade e em frequência e, mais uma vez, contribuir para uma melhor qualidade de vida.